terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Balões: cultura suburbana

Ontem eu conversei por horas com um amigo criado na zona sul, sobre as diferenças entre os modos que tínhamos de nos divertir quando éramos crianças. Sim, a forma como o espaço urbano é ocupado, a renda, a estrutura das casas, tudo contribui para a criação de microculturas dentro da cidade do Rio de Janeiro, que se não é partida em cidades diversas, consegue proporcionar pelo menos, diferentes modos de ser cariocas que podem ser experimentados com um simples turismo interno.

Uma das coisas que marcou muito minha infância foi o costume da confecção de imensos balões pelas comunidades dos bairros, as famosas turmas de baloeiros. Todos sabemos a tragédias que os nossos balões causam com suas cangalhas incandescentes caindo sobre casas, aglomerações de barracos, em matas e florestas. Mas nos idos dos anos 70, lá na minha tenra infância, tudo aquilo era muito lúdico, e na verdade fascinante.

A confecção, montagem, armação e finalmente ver um balão subir aos céus numa noite fria de junho e julho era algo mágico, que atraía pessoas de todo o bairro. Ver aqueles gigantes de papel, e pequenas lanternas espalhadas num labirinto pelo campo de futebol de terra batida subir formando um desenho elaborado era como se as estrelas do céu estivessem o tempo todo ali no chão ao nosso lado e nós não tivéssemos nos dado conta. A poesia das pessoas simples, muitas sem quase nada de instrução, se manifestava naquele trabalho árduo, de grande engenho e sensibilidade, trabalho de orgulho coletivo, feito para impressionar milhares de outras pessoas e que não teria graça se não fosse outra coisa senão efêmero, aliás, efêmero senão pela cangalha e pela boca ardente, que eles lutavam para resgatar, mas que freqüentemente se perdia.

Quantas vezes eu fui acordada pelos meus pais ou meus avós para ver um balão flutuar com suas imagens coloridas no céu? ou para vê-los esbanjando fogos elaborados como num reveillon fora de época? quantas vezes não me entristeci de vê-los se queimar lambidos em chamas ao se inclinarem em demasia ao vento forte? e como eu tantas crianças e adultos, aboletados nas janelas, nas varandas, sentados nas calçadas conversando e apreciando a passagem desses astros feitos pelo homem!!!!

Acredito que essa é uma das razões pela qual é tão complicado acabar com a tradição dos balões juninos: eles estão também entranhados na memória afetiva suburbana. Ainda que outros significados menos nobres tenham se alinhado a eles, essa fascinação infantil provavelmente ainda os acompanha pelos céus, e mesmo que hoje espalhem medo, a sensação é contraditória, paradoxal, como se as pessoas quisessem tê-los de qualquer modo, sonhando com alguma tecnologia que reduzisse o risco a níveis toleráveis e pudéssemos ficar com eles ali, ao alcance da vista.

Na zona sul esses gigantes dos céus não eram tão cultuados como nos subúrbios, outras diversões, outros espaços, maior permeabilidade às advertências das autoridades sobre os riscos também por que o nível educacional é maior.

Sinto que a cultura dos subúrbios cariocas mudou muito ao longo das últimas décadas e que traços afetivos desse passado que não podem ser preservados, por serem realmente perigosos, como os balões, não estão sendo substituídos por nada que realmente preencha o espaço de afeto, de socialização eivada de fantasia, arte, criatividade, socialização com valores cooperativos e familiares. Talvez o mundo tenha mudado demais, todo ele. Ao menos é importante que a falta seja sentida; isso significa que as pessoas ainda tem algo dentro de si que clama por satisfação...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Livro do mês: A Alma Encantadora das Ruas

João do Rio em A Alma Encantadora das Ruas (2008) argumentava que a rua molda o homem; assim como a estrada moldou a sociedade, dizia que a rua e a imensa capilaridade de ruas, avenidas e vielas – o corpo urbano – eram a casa de um universo social inteiro que vicejava em múltiplas formas, sendo preciso estar alerta para suas manifestações, flanando por estes espaços, se permitindo ver, ouvir e participar dessas realidades.


Como cronista testemunhou o início do século XX num Rio de Janeiro que desabrochava em tempos republicanos para o que imaginava ser moderno, diante de intensos influxos de imigrantes europeus, novidades tecnológicas, científicas e literárias, mas ao mesmo tempo se sacudia sob peso de sua herança imperial, entre escravos libertos, mestiços, estrutura agrária dominada por grandes latifundiários cafeeiros e novos ricos industrialistas. Um novo país que não sabia exatamente o que era democracia, mas se queria algo entre liberal e conservador.

Nas suas andanças observou as condições de vida dos mais variados estratos sociais, as pequenas profissões que se acotovelavam pelas ruas numa luta incessante pela sobrevivência à margem tantas vezes da ordem ou aproveitando oportunidades surgidas pela falta de ordem. Observou a atuação do poder público e dos seus órgãos e como o morador da cidade, o pequeno morador, lidava com esse Estado.

Flanando pelas ruas, talvez tenha esbarrado com outro célebre escritor e testemunha do mesmo período histórico, Lima Barreto. Este também mulato, também jornalista, só que pobre, roído pelo alcoolismo e pela doença mental que nos deixou um legado literário belíssimo, observou de perto a vida do povo humilde e em seus relatos auto-biográficos, mostrou as condições sociais da população, e o estado de espírito das pessoas durante a Revolta da Vacina perante as autoridades militares (Barreto, 2007). Saúde, ordem, progresso, um novo país.




Os limites da autoridade sobre os corpos, sobre a vida privada, sobre o direito de ir e vir. A identificação de burocracias do Estado com poder de intervenção sobre as vidas, e as estratégias de sobrevivências com essas burocracias, e apesar delas. Saúde dos portos, Vigilância Médica, Vigilância Sanitária, Delegacia de Hygiene...

Presenças constantes na vida da população, verdadeira face da saúde do Estado e no entanto não se podia contar com elas para algo como curar uma febre!

Posturas municipais controlando a salubridade de moradias e zoneamento urbano já no final do século XIX em guerra aberta aos cortiços, regras para a disposição de corpos defuntos, feiras livres, resíduos, águas servidas, manejo em epidemias comuns à época, enfim, a intervenção constante de estruturas estatais no controle e administração do espaço urbano, e produção (Chalhoub,2006; Costa, 1985).

Nas descrições desses autores vemos práticas hoje conhecidas como Vigilância Sanitária espalhadas em todos os lugares, diversos objetos da instituição atual VISA, que àquele tempo eram controladas por órgãos federais ou municipais ou que já eram sujeitos a normatização, enfim, podemos ouvir ecos do que hoje sabemos em alto e bom som ser Vigilância Sanitária.

Ao longo do século XIX e início do XX, diversas normas vão modelando as práticas de Vigilância Sanitária no controle das condições de saúde da população e da produção. Os espaços de atuação vão do campo às cidades onde o poder público melhor estruturado se faz sentir com maior intensidade, em especial nas grandes capitais e em epicentros de atividade comercial como os grandes portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém. São pólos onde a urbanização de viés higienista e o combate às epidemias se dá com força. Por estes portos são escoadas as produções de café e de borracha, entram imigrantes de países distantes e o trânsito de divisas e patologias é igualmente intenso. As cidades florescem e a estrutura estatal da República acomoda as heranças imperiais a novos modos filosóficos e conhecimento científico de matriz positivista.

Paralelo ao incentivo ao desenvolvimento econômico, o ideal de uma sociedade limpa de corpo e intelecto, na qual a higiene teria um papel importante rasgou mentalidades, segregou classes, e mudou modos de ver o mundo ou aprofundou diferenças. A legislação refletia essa mudança, e os órgãos surgidos ou herdados e modificados exerciam as funções necessárias.

Do passado ao presente, um olhar no futuro. Literatura como testemunha, leis, instituições, o Estado presente na vida do cidadão controlando corpos e espaços e surge a Vigilância Sanitária como imagem a ser interrogada, o que passo a fazer daqui para adiante.

Mas Joâo do Rio não se prende às questões de saúde. Ele anda pelas ruas, permitindo que a rua o carreguee sempre atrás de um personagem interessante, de pequenas histórias as quais, ligadas na imensa rede da sociedade fazem uma verdeira mina de sentidos vir à tona!

As prostitutas, os bandidos, os coletadores de anilhas de charutos e os comerciantes de funerais, as casas de ópio, os presépios (daonde a expressão presepeiro deriva...), enfim, personagens que habitam a cidade e que são visíveis a qualquer um que se dispuser a parar, olhar, ouvir, conversar. O Rio é uma cidade que vive na Rua e onde as pessoas parecem ter especial carinho pelo espaço comum, não num sentido de preservá-lo intocado, mas sim de se apropriar dele, modificá-lo, fazer dele mais do que uma extensão do lar, e talvez mesmo um outro âmbito de convivência comum, com regras próprias e até mitologia! Nas ruas o carioca tende a se sentir feliz, à vontade, mais falador.

Nas ruas a pessoa que nasce no Rio de Janeiro se constitui verdadeiramente carioca.

Estou de volta!

Um longo tempo sem postar. Trabalho, filho, estudo... tudo junto! Mas ao mesmo tempo aconteceram tantas coisas importantes para a nossa cidade! A invasão da Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão é o que há de mais evidente, mas fazendo a lista, temos o resultado das últimas eleições que significou a continuação das políticas do Sérgio Cabral para a cidade.

Cabral detonou a saúde no Rio de Janeiro e as UPAs são uma porcaria, mas... vamos que vamos, não é? E na minha humilde opinião, o único secretário dele que parece ter um mínimo de integridade é o Beltrame, o resto... credo em cruz rezado de trás para frente e pelas costas dos desinfelizes!!!!!

Aos poucos e volto à ativa. Vamos que o verão chegou!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Nossa Senhora da Penha... nossa padroeira!

Nascida na rua Irapuá na Vila da Penha, e tendo crescido no Largo do Bicão e imediações, é natural que eu tenha freqüentado, e muito, os folguedos tradicionais da região, dentre os quais o mais famoso - além do carnaval e suas liras - era a Festa da Penha, que sempre acontecia em outubro. De fato ainda ocorre.

O santuário da Penha ocupa uma área bem grande, e a igreja fica encarapitada no topo de um monte de granito imenso, que domina a paisagem de tal maneira que é perfeitamente visível de dentro da Baía da Guanabara, assim, quem quer se aproxime pelos lados da atual Linha Vermelha, verá a Igreja da Penha flutuando reluzente na noite ou clara durante o dia.

Eu fui batizada lá em cima, e não me lembro do dia pois era apenas um bêbê, mas muito me orgulho de ter sido batizada na igreja da Padroeira.

Quando os portugueses entraram na Baía de Guanabara, ficaram impressionados com sua beleza natural. Até hoje a cidade do Rio de Janeiro é chamada de "Cidade Maravilhosa".


A Penha não foge à regra. Os visitantes do Santuário ficam maravilhados com a paisagem que podem contemplar do lugar que Nossa Senhora escolheu para derramar suas bênçãos de Mãe sobre os moradores do Rio e todos aqueles que visitam o seu Santuário.

A devoção à Santíssima Virgem sob o título de Nossa Senhora da Penha de França começou no século XV na Europa. Conta o Pe. Colunga em seu livro "Nuestra Señora de Peña de Francia", que o peregrino francês Simão Vela, em 19 de maio de 1434, descobriu em Penha de França monte situado na serra do mesmo nome, na província de Salamanca a imagem de Nossa Senhora, tão importante para a cristandade.

Há uma tradição popular que diz ter sido o peregrino Simão Vela, recolhido num convento franciscano na aldeia de Puy e que ouvia sempre, em seus êxtases, uma voz que lhe dizia: "Simão, vela e não durmas" o qual passou a ter o sobrenome com que se tornou conhecido: Simão Vela.

Simão partiu e depois de cinco anos, descobriu a imagem que fora deixada por soldados franceses ao se esconderem naquele monte quando combatiam contra os muçulmanos.

Conta-se que o primeiro milagre ocorreu no local onde foi encontrada a imagem, quando um grupo de fugitivos foi perseguido por bandoleiros. Depois de terem invocado Nossa Senhora da Penha, viram-se livres de seus inimigos. Esse fato tornou-se muito conhecido e espalhou-se rapidamente. Seu eco atravessou a fronteira chegando até Guimarães, cidade do Minho (Portugal), onde a imagem passou a ser venerada. O próprio rei de Portugal, Dom Sebastião tendo alcançado a cura de uma grave doença por intermédio de Nossa Senhora da Penha, mandou erguer uma igreja em seu louvor, na cidade de Lisboa, em sinal de gratidão e devoção à Mãe de Deus e nossa. Hoje é uma das grandes paróquias da capital portuguesa.

No Brasil, consta, em fontes diversas, que a primeira ermida em louvor a Nossa Senhora da Penha foi erguida em Vila Velha, antiga capitania do Espírito Santo, entre os anos de 1558 e 1570, por Frei Pedro Palácios, natural da Espanha, irmão leigo da Ordem dos Franciscanos, que era grande devoto de Nossa Senhora.

A segunda ermida surgiu após a fundação da Fazenda Grande ou de Nossa Senhora da Ajuda, na freguesia de Irajá, no Rio de Janeiro.

Tudo começou no início do século XVII, por volta do ano de 1635, quando o Capitão Baltazar de Abreu Cardoso ia subindo o Penhasco (grande pedra) para ver as suas plantações, uma vez que era proprietário de toda a área no entorno do atual Santuário. De repente foi atacado por uma enorme serpente. Baltazar, que era devoto de Nossa Senhora, quando se viu só e incapaz de se defender, pediu socorro a Nossa Senhora gritando: "Minha Nossa Senhora, valei-me!". Nesse preciso momento surgiu um lagarto inimigo das serpentes, e travou-se uma luta mortífera entre os dois animais. Baltazar por sua vez, não perdeu tempo e fugiu.

Depois de se recuperar do susto, Baltazar reconheceu que o lagarto apareceu precisamente no momento em que ele pediu a proteção da Virgem Maria. Agradecido, por tão importante gesto maternal, Baltazar construiu uma pequena capela onde pôs uma imagem de Nossa Senhora. Se antes o Capitão Baltazar subia o penhasco para ver as suas plantações, a partir daí passou a subir também para agradecer tão primoroso gesto de carinho que a Mãe do Céu teve para com ele. Assim como ele, também os seus parentes, amigos e vizinhos e até mesmo pessoas curiosas, que à distância viam a pequena capela, passaram a subir a grande pedra (daí vem a palavra Penha) uns para pedir e outros para agradecer graças alcançadas por intercessão da Senhora do alto do Penhasco – Penha. De tanto as pessoas dizerem: vamos à Penha visitar Nossa Senhora, passaram a dizer: vamos visitar Nossa Senhora da Penha.

A devoção à Nossa Senhora da Penha foi se espalhando e cada vez era maior o número de pessoas que visitavam este lugar sagrado e encantador. Umas para pedir e outras para agradecer a sua intercessão.

O capitão Baltazar doou todas as suas propriedades a Nossa Senhora da Penha, havia necessidade, porém, que alguém, com crédito, administrasse responsavelmente esse patrimônio. Foi criada então a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha no ano de 1728 a qual com muito zelo e dedicação demoliu a primeira capela - muito pequena - e construiu outra, com uma torre onde foram colocados dois pequenos sinos.

Mais tarde, no ano de 1870, foi demolida esta capela e construído no seu lugar um novo templo: uma igreja com uma torre e novos sinos. Por volta do ano de 1900 houve uma nova intervenção. O templo foi ampliado, ganhando duas novas torres, nas quais, mais tarde, foi instalado um carrilhão com 25 sinos de origem portuguesa, adquiridos na Exposição Nacional do 1º Centenário da Independência do Brasil. Este Carrilhão foi inaugurado em 27 de setembro de 1925 com a bênção do então Núncio Apostólico no Brasil, Cardeal Dom Henrique Gasparri.


A Escadaria
No ano de 1817 subia a pedra um piedoso casal quando a esposa, Sra. Maria Barbosa, comentou com o marido que pediria à Nossa Senhora da Penha para interceder por eles para que Deus lhes concedesse um filho, já que estavam casados há alguns anos e não tinham filhos.


A Sra. Maria Barbosa confiou, pediu e prometeu que se tivesse um filho mandaria esculpir no duro granito do penhasco uma escadaria para facilitar o acesso dos devotos de Nossa Senhora da Penha ao Santuário. No ano seguinte o casal era presenteado com um lindo filho e no ano de 1819 a escadaria estava pronta. São 382 degraus talhados na própria pedra, mais ainda do que o número de dias do ano.


O Santuário hoje
Colocado à entrada da cidade, com o sorriso de Mãe aos que chegam, quer pela Av. Brasil ou Linha Vermelha, quer pela Ponte Rio- Niterói ou mesmo pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Santuário de Nossa Senhora da Penha é, por excelência , o trono que Maria, Mãe de Deus, escolheu no Rio de Janeiro, para ser o centro de sua devoção entre nós. A este Santuário acorrem milhares de peregrinos vindos de todo o Brasil e do exterior, para trazer-lhe os seus agradecimentos por graças alcançadas, ou pedir a sua intercessão. À medida que vamos subindo a colina sagrada, sentimos que o ambiente se torna mais religioso. São inúmeras as pessoas que sobem a escadaria rezando, sobretudo a oração do terço.


No dia 15 de junho de 1935, por decreto de Sua Santidade o Papa Pio XI, a Igreja de Nossa Senhora da Penha foi agregada à Sacrossanta e Patriarcal Basílica de Santa Maria Maior de Roma.
No dia 15 de setembro de 1966, o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, então Arcebispo do Rio de Janeiro, elevou o templo sagrado de Nossa Senhora da Penha à categoria de Santuário Perpétuo.
No dia 31 de maio de 1981, o Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, atendendo aos desejos de Sua Santidade o Papa João Paulo II, elevou o Santuário de Nossa Senhora da Penha à categoria de Santuário Mariano Arquidiocesano.

(Retirado de: http://www.santuariopenhario.org.br/?secao=15256&categoria=15300&id_noticia=49891)



A parte mais legal para as crianças na Festa da Penha era o Parque Shangai (Largo da Penha, nº19), as barracas de comidas e jogos de prêmios, o foguetório, a rádio do parque que permitia que "comprássemos" músicas para dedicar aos amigos e o ambiente alegre, familiar, onde as pessoas se divertiam a valer.

Eu realmente achava os pagadores de promessas criaturas que não deviam bater bem da bola: eram velas e ex-votos, mas também muitos que subiam a escadaria de joelhos e quando conseguiam completar o feito, não raro acabavam levados para baixo de elevador ou auxiliados por outras pessoas, pois os joelhos ficavam em frangalhos, machucados nos degraus de pedra.

Infelizmente a criminalidade que tem imperado na minha amada cidade não tem permitido que os devotos e as pessoas e famílias de bem se apropriem como dantes se apropriavam daquele maravilhoso espaço de cortesia, respeito, alegria e cordialidade típicamente cariocas. Mas deixo aqui meu pedido à Santa Penha Padroeira, que lá do alto de sua pedreira ela nos ilumine e nos resgate para seus braços, pois o amor de sua gente, e de nós, banhados em sua pia batismal, continua o mesmo.

Os judeus desta terra

O Brasil foi uma empresa. Sim, nada mais do que isso. Se observarmos os primeiros relatos acerca das terras descobertas ao Rei de Portugal, não veremos menção a metais preciosos, o que desvalorizava e muito essa nova possessão ultramarina. Também não havia por essas plagas nenhuma cultura vegetal já valorizada na Europa, e nenhum povo com o qual comerciar. Não era Portugal àquela época uma nação realmente colonizadora no sentido de exportar o seu modo de viver, seu povo, para o resto do mundo, estabelecendo pequenos portugais pelo mundo, mas antes uma nação mercantil, cujas possessões ultramarinas deveriam ter o caráter de grandes entrepostos comerciais: foi assim em Goa, foi assim em Macau, e as grandes possessões africanas de Moçambique e Angola inicialmente se deram mediante trato com governantes locais durante o período de intenso comércio de escravos.


A empresa brasileira era um investimento de risco, em grandes terras a desbravar literalmente, povoada por índios cuja língüa não era conhecida pelo povo cristão, com espécies vegetais desconhecidas, com geografia e clima a ser estudados, não como expedições científicas, mas no peito e na raça mesmo. Sem os empresários do império, estas terras seriam perdidas para outros aventureiros. Os que melhor poderiam investir nessas terras eram justamente os cristãos-novos, e os marranos.

No afã de expulsar os judeus de seu território, muitos judeus sefaradi da Espanha se refugiam em portugal, outros, cristianizados, os chamados marranos, também tomam o mesmo caminho. Outros migram para os países mouros e para a Síria, estabelecendo uma próspera colônia na cidade de Aleppo. Infelizmente, o rei de Portugal se casa com uma princesa Espanhola, e para agradar ao hiper cristianismo espanhol, declara o judaísmo ilegal na terrinha. Ao contrário dos galegos, Portugal simplesmente converte à força os judeus, tornando-os "cristãos-novos", e por uma razão muito simples: impedir a evasão de recursos pertencentes às famílias judias do território português. Nada muito nobre, não é?

Apenas mais tarde os tribunais do Santo Ofício entram em Portugal e bem mais tarde estabelecem visitações ao Brasil, para fiscalizar esses novos cristãos...

Diversas atividades eram vedadas aos cristãos, tais como a usura (empréstimo a juros que era usado para financiar navegações, colheitas, etc), a atividade bancária, certas práticas médicas, etc. E há muito os judeus tinham adentrado certas profissões em Portugal, como o serviço público, a advocacia, a medicina, a engenharia, a farmácia, etc. Uma sangria nessas áreas seria terrível para a coroa.

Eis que a nova terra se tornou uma perspectiva de vida nova para este povo, com menos restrições impostas pela Coroa Portuguesa. Como mestres engenheiros, mecânicos, agrônomos, etc, e além de pessoas com recursos, seriam perfeitos donatários nessas terras. E assim o foram. Os primeiros assentados neste país foram cristãos novos, e foram fundamentais para a cultura da cana-de-açucar como grande ciclo econômico, e força motriz do desenvolvimento agrário em vastas áreas do país, notadamente pernambuco, bahia, Rio de Janeiro, e na província vicentina.

Somos um país que veio de uma primeira empresa de assentamento judaico, como forma que eles tiveram de ganhar a vida numa terra teoricamente mais livre, e onde eles aos poucos se assimilaram. Hoje nós somos de um jeito ou de outro um bocado cristãos-novos, de sorte que não há como nutrirmos preconceitos contra nossos compatriotas sefarditas, pois, escavucando nosso genoma poderemos achar um traço semita ali, denunciando nossa mistura mosaica.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dia 13 de Maio.

Ontem, 13 de maio, comemoramos mais um aniversário da abolição da escravidão no Brasil. Fomos o último país a extinguir o trabalho escravo nas américas, o que não significa que o trabalho forçado institucionalizado não tenha continuado a ocorrer em outros países latino americanos sob outros nomes. Importante se faz observar que a partir de então reduzir uma pessoa à condição análoga a de um escravo se torna crime no Brasil, e mesmo a pena de trabalhos forçados para criminosos não existe no nosso ordenamento jurídico. O trabalho passa a ser a expressão da individualidade do cidadão livre.

É público e notório neste blogue que sou uma pessoa que não compactua de pensamentos racialistas ou etnocentristas aplicados à realidade brasileira. Sem negar a violência do trato negreiro, acredito que os muitos traumas fazem com que até o momento, muito poucos pesquisadores tenham conseguido versar sobre o assunto com pragmatismo e lucidez.

Confesso que demorei muitos anos para compreender o trabalho de Gilberto Freyre e a magnitude do que ele construiu, e destarte as críticas possíveis, uma que não posso mais admitir, é a de que ele negue a brutalidade do trato negreiro ou mesmo o repute mais manso no Brasil. Entretanto, é forçoso admitir que suas colocações sobre a identidade brasileira são muito mais consistentes do que qualquer coisa jamais feita depois dele no sentido diverso, isto é, no sentido da fragmentação do brasileiro em cores e raças e em etnias.

Lamento, mas a terra é de quem a conquista e a mantém e sustenta militar e juridicamente, portanto as terras não pertencem aos índios, pertencem a todos nós, e aos índios na condição de brasileiros. O conceito de Estado exclui essa lenda do bom índio espoliado. Por outro lado, somos um povo que é genéticamente miscigenado a tal ponto, que distribuir identidades pela cor da pele é ridículo. Somos os que somos, e não precisamos escolher: eis a grande herança isabelina!

Nunca tivemos leis anti-miscigenação, somos um povo misturado mais pelo desejo de pobres livres do que de escravos violentados, vide a variada conformação demográfica dos cortiços cariocas! A abolição da escravidão representou a exaustão de um sistema econômico e transição para outro, e enfim uma transição política, no qual expoentes abolicionistas que abraçaram sua cor mais escura, sua ascendência parcialmente negra, se viram traídos por uma república que durante muito tempo procurou embranquecer o país, enamorada de ideais positivistas.

Mas a carne venceu a pena.

Nós somos um país abençoado, sem dúvida. Com tantos autores e personalidades a comemorar! Durante muitos anos da minha infância, eu não sabia que Cruz e Souza, José do Patrocínio, Machado de Assis eram negros e mulatos. Eram traços biográficos pouco enfatizados, esses de matizes de cor. Eu nunca imaginei que o Túnel Engº André Rebouças, fosse batizado em honra a um engenheiro negro. Esses fatos não eram enfatizados. Eram brasileiros, entendem? Não era um negro: era um brasileiro. Eram grandes brasileiros, independente da cor deles. E eu acho isso maravilhoso.

Claro que pessoas do movimento negro me atirarão pedras e paus, mas e daí? A cor da pele não faz com que alguém seja melhor ou pior do que ninguém, que sinta mais ou menos dor, e eles provaram isso com brilhantismo! Juliano Moreira, grande psiquiatra, era mulato. E eu só soube disso recentemente. E querem saber de uma coisa? Não faz a menor diferença. O homem era brilhante, era médico, e era o tal.

Sabem que é interessante observar que Lima Barreto não vê cor nesse médico? Vê um médico. Isso é lindo! Pois ele mostrou a cara e a coragem do homem mestiço, o homem brasileiro, contra todos que vêem nele o que há de ruim.

O dia 13 de maio, deveria ser o dia da abolição das fronteiras de raça, cor e etnia. Para mim, deveria ser o dia em que as pessoas se tornassem finalmente cegas para a cor, e que passassem a ver uns aos outros como seres livres, indivíduos dotados de vida autônoma, sentimentos, anseios, desejos, capacidade de amar, de odiar, de fazer e de desfazer ou deixar de fazer. Que essa mistura danada no nosso sangue simbolize essa liberdade, essa teimosia em não se deixar agarrar e conter.

Acredito que no momento em que deixarmos de olhar com culpa para o passado, sem justificativas ou compensações pelo ontem, mas tentando ajustar o presente com olhos e foco no presente, nós nos entenderemos como um Estado unido e solidário. Eu entendo e amo o meu igual, igual em potencial, naquela centelha humana.

Ora, esta cidade lusitana é também uma cidade africana, talvez mais até do que Salvador! Pois se deixou molhar pelos suores e pelo sangue de tantos povos que aqui deram com os costados que é difícil alguém não chegar e depois de algum tempo não sentar de frente para essas montanhas, ao vento desse mar e não pensar lá no fundinho: é, aqui é meu lar.

Pois bem, ontem eu comemorei em espírito o dia da Abolição da Discriminação de qualquer tipo (inclusive reversa, que também é uma forma de discriminação). E tenho dito!

terça-feira, 27 de abril de 2010

Língüa, gostosa herança.


A língua é nossa pátria, é o que nos singulariza neste imenso mundo, e se os holandeses e ingleses se referiam aos portugueses como licensiosos e lascivos, é deles - homens que atendiam ao clamor de seu sangue que mistura saudade e paixão -  que herdamos essa maravilha que falamos, e que nesta terra adquiriu contornos tão bonitos.

Quando Portugal se lançou aos mares, sem querer se tornou uma nação de homens atlânticos, homens marinhos e que como a lenda dos botos amazônicos, viam nas terras que encontravam não apenas riquezas a explorar, mas belezas a desfrutar, corpos a conquistar e aos quais misturar o seu sangue, pois se cor não pega, ela passa, numa intensa mistura de tantos matizes quantas são as paixões humanas.

E também assim a língüa portuguesa alcançou o mundo, com luxúria e fervor, se trançando como num beijo com as língüas de tantas terras e tantos povos, se permitindo ser marcada por aqueles que ela marcava, bocas que se chocavam, ora em carícia mansa, ora em forte imposição de gostos e paixões. A língüa portuguesa lambeu as praias brasileiras e as costas africanas, correu os rios e as matas e se impregnou de sabores e delícias que nunca mais deixou sair de si, ganhou ares e sotaques e no Brasil se fez velha criança, prenhe de cadências e malícias, de andares e movimentos graciosos como os da capoeira. Língüa genésica, língua macho e fêmea na cama dos tempos.

Hoje me dou o prazer de celebrar essa língua na qual expresso a minha individualidade, o meu ser e estar no mundo, o meu sentir e amar. Minha língua é minha pátria, minha terra é onde lanço as raízes do meu viver. Amemos e valorizemos como pudermos essa deliciosa herança.



segunda-feira, 26 de abril de 2010

Reforma Passos ou como mudar a face e esquecer o traseiro

No início do século XX, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, decorrentes, em larga medida, de seu crescimento rápido e desordenado.

 
Ao final do século XIX, com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades que ali se abriam ao trabalho assalariado. É importante entender que a cidade já contava com uma grande população de escravos, escravos libertos e população de várias cores  e origens, livre e pobre, desempenhando as mais variadas profissões pelas ruas da cidade. Ao contingente já existente acrescentou-se a massa de pessoas que resultou do êxodo de escravos libertos das fazendas, que viram na cidade um modo de vida diferente daquele que haviam vivido até então. Por esta e outras razões,  entre 1872 e 1890, a população da cidade do Rio de Janeiro duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes.

 
O incremento populacional e, particularmente, o aumento da pobreza agravaram a crise habitacional, traço constante da vida urbana no Rio desde meados do século XIX. O epicentro dessa crise era ainda, e cada vez mais, o miolo do Rio – a Cidade Velha e suas adjacências – , onde se multiplicavam as habitações coletivas e onde eclodiam as violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo que conferiam à cidade fama internacional de porto sujo. As habitações coletivas, os chamados cortiços, eram tidos como grandes focos de problemas de higiene, entendendo esse conceito não apenas como condições precárias de saúde, mas também de dissolução moral. Em cortiços escravos de ganho e pessoas livres conviviam normalmente em condições precárias, freqüentemente sem acesso à agüa limpa, sem ventilação, latrinas suficientes e limpas, entre outros problemas.

 
Não por acaso, os higienistas foram os primeiros a formular um discurso articulado sobre as condições de vida na cidade, propondo intervenções mais ou menos drásticas para restaurar o equilíbrio daquele "organismo" doente.

 
O primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro foi elaborado entre duas epidemias muito violentas (1873 e 1876), mas uma ação concreta nesse sentido levaria cerca de três décadas para se realizar. Foi a estabilidade político-econômica, a duras penas alcançada no governo Campos Sales (1898-1902), que permitiu ao seu sucessor, Rodrigues Alves, promover, entre 1903 e 1906, o ambicioso programa de renovação urbana da capital. Tratada como questão nacional, a reforma urbana sustentou-se no tripé saneamento – abertura de ruas – embelezamento, tendo por finalidade última atrair capitais estrangeiros para o país. Era preciso sanear a cidade e, para isso, as ruas deveriam ser necessariamente mais largas, criando condições para arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios. Ruas mais largas estimulariam igualmente a adoção de um padrão arquitetônico mais digno de uma cidade-capital.

 
A reforma tinha inspiração no higienismo francês e pressupunha tanto o controle das condições sanitárias pelo controle do espaço público, como também o melhor manejo das populações, isto é, conter manifestações populares como as experimentadas nas comunas francesas e em pequenas revoltas populares no Brasil. A abordagem sanitária ainda se apoiava na teoria dos miasmas, isto é, na transmissão de doenças por ares infectos e não por agentes patogênicos e portanto o traçado das ruas e avenidas deveria priorizar grandes corredores de ventilação, incluindo também o desmonte de elementos topográficos, como o Morro do Castelo, que impusessem restrições à circulação de ar pela cidade.

 
As obras de maior vulto - a modernização do porto, a abertura das avenidas Central e do Mangue – e o saneamento foram assumidas pelo governo federal. A demolição do casario do centro antigo, a abertura e o alargamento de diversas ruas e o embelezamento de logradouros públicos foram atribuídos à prefeitura da capital.

 
Apoiada nas idéias de civilização, beleza e regeneração física e moral, a reforma promoveu uma intensa valorização do solo urbano da área central, atingindo como um cataclisma a população de baixa renda que ali se concentrava. Cerca de 1.600 velhos prédios residenciais foram demolidos. Parte considerável da imensa massa atingida pela remodelação permaneceria no centro, em seus arredores, pois, apesar do rápido crescimento da zona norte e dos subúrbios, essas áreas não constituíam alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou recebiam diárias irrisórias. Serviam apenas aos que possuíam remuneração estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição de terreno, construção ou aluguel de uma casa. Assim, os subúrbios não correspondem ao deslocamento de parcelas realmente miseráveis da população, mas daquela que tinha condições de se estabelecer, restando a esta parte mais vulnerável da massa deslocada as encostas de morros próximos à cidade em processo de remodelação.

 
Nesse contexto surge no Rio, ao lado das tradicionais habitações coletivas que se disseminaram nas áreas adjacentes ao centro (Saúde, Gamboa e Cidade Nova), uma nova modalidade de habitação popular: a favela. Em fins de 1905, uma comissão nomeada pelo governo federal para examinar o problema das habitações populares constatou que as demolições de prédios iam muito além de todas as expectativas, forçando a população a "ter a vida errante dos vagabundos e, o que é pior, a ser tida como tal". O relatório da mesma comissão fazia referência ao Morro da Favela (atual Providência) – "pujante aldeia de casebres e choças, no coração mesmo da capital da República, a dois passos da Grande Avenida" – que emprestaria seu nome ao, até hoje, mais destacado ícone da segregação social no espaço urbano da cidade.

 
O Morro da Favela, como conjunto de habitações miseráveis, surge antes da Reforma Passos, a partir de contingentes de ex-combatentes de Revolta de Canudos que lá se instalaram à falta de outras opções de moradia na cidade, e posteriormente passa a receber grande parte da fatia mais pobre dos deslocados pelas reformas estruturais na cidade.

 
Podemos perceber que apesar de ter sido uma empreitada republicana, planos e sugestões de mudanças estruturais no espaço urbano do Rio de Janeiro, já existiam desde meados do século XIX, tendo sido considerados centrais para o desenvolvimento econômico da capital e do país num mundo em profundas mudanças na fase em que se encontrava da revolução industrial.

 
No entanto, é apenas com o forte ideal positivista republicano, que se atinge massa crítica para dar largada a essa empresa. É preciso portanto entender algumas idéias que flutuavam à época:
  • Que a pobreza não era apenas um fenômeno social no sentido de ser um resultado de uma série de fatores como falta de oportunidades de ascensão econômica e educacional, mas sim uma condição moral.
  • Que a sociedade deveria ter um caminho ascendente em direção ao progresso, pautado por uma determinada ordem e racionalidade, em virtudes morais e também científicas e que existiriam sim pessoas em graus inadequados de evolução mental, psíquica e moral para esta sociedade.
  • A organização das cidades deveria refletir a organização e desenvolvimento sociais desejados e ser liderados pelas elites preparadas para comandar esse processo civilizador
Importante lembrar que àquela época, em muitos países o pensamento racialista vicejava a pleno, e no Brasil, o incentivo à vinda de mão de obra de origem européia não apenas visava suprir a demanda de trabalhadores no campo, mas também cumpria a função de branquear a população e trazer uma possibilidade de maior agregação de valores culturais apreciados. No entanto é preciso manter em mente que nós não tivemos uma legislação que apoiasse discriminações baseadas em cor da pele ou raça, nem mesmo do período escravagista, não sendo um país institucionalmente contra a miscigenação, sendo o escravo antes de tudo uma condição jurídica e social adquirida com a venda e o berço e assim, uma condição jurídica, e não intrínseca à cor da pele ou raça ou etnia.

É interessante observar que as autoridades não se preocuparam com o destino das parcelas mais carentes da população, responsabilizando-as por seu próprio sustento e custos de deslocação, não promovendo alternativas viáveis de moradia e se eximindo de qualquer responsabilidade quanto ao seu destino.

 A reforma da capital constituiu, sem dúvida, uma ruptura no processo de urbanização do Rio de Janeiro, um ponto de inflexão no qual a "cidade colonial" cedeu lugar, de forma definitiva à "cidade burguesa", moderna, do século XX, que tinha como parâmetros as metrópoles européias. Em novembro de 1906, quando Rodrigues Alves Passou a faixa presidencial a Afonso Pena, o Rio – remodelado e saneado – já era apresentado como "a cidade mais linda do mundo", a "cidade maravilhosa".


Enquanto as comissões federais supervisionavam as obras do porto e da avenida Central, a prefeitura da capital executava o Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro. Cargo de confiança do presidente da República, a prefeitura da capital havia sido entregue, em 30 de dezembro de 1902, a Francisco Pereira Passos, engenheiro de origem aristocrática, com longa experiência em obras públicas, que estudara em Paris na época das reformas promovidas pelo barão de Haussmann. Considere-se que a cidade era então o Distrito Federal, e seu governo não era decidido por eleições mas um cargo designado por outorga presidencial.

Apresentando-se acima das questões políticas, Pereira Passos aceitou o cargo – e a incumbência de reformar a cidade – sob a condição de modificar a legislação vigente e manter a Câmara Municipal fechada, pelo menos, nos seis primeiros meses da sua gestão, pois acreditava que diversos problemas seriam resolvidos se os intendentes não interferissem. As obras não deveriam sofrer obstáculos da vereança.

Dispondo de plenos poderes para modificar a fisionomia de uma cidade marcada por traços coloniais, o novo prefeito elegeu, como eixo de sua intervenção, a remodelação arquitetônica das edificações. Para isso, nas palavras do próprio Passos, as "ruas estreitas, sobrecarregadas de um tráfego intenso, sem ventilação bastante, sem árvores purificadoras e ladeadas de prédios anti-higiênicos" deveriam dar lugar a "vias de comunicação duplas e arejadas". As avenidas tornaram-se, então, o principal instrumento da remodelação da cidade, atendendo a dois objetivos: a circulação urbana e a transformação das formas sociais de ocupação dos espaços abertos pelas novas artérias.  Algumas áreas da cidade ainda podem ser encontradas com resquícios anteriores à Reforma Passos, dentre eles é possível destacar o Morro da Conceição e outras áreas no entorno no Morro da Providência, antigo morro da favela.

Com a abertura de novas avenidas, a Prefeitura buscou desafogar o intenso tráfego existente entre o centro e os novos bairros da zona sul, bem como entre estes e os bairros das zonas norte e oeste. No centro da cidade, cerca de vinte vias foram alargadas - entre as quais a Treze de Maio, a Carioca, a Assembléia, a Uruguaiana - e outras foram abertas, como os eixos das avenidas Mem de Sá e Salvador de Sá. Alguns pontos nodais foram modificados, especialmente o largo da Carioca, que foi ampliado.

Mas a questão da circulação urbana não se restringia à estrutura física da cidade. Envolvia também os meios de transporte considerados incompatíveis com o tráfego urbano. Expressão dessa contradição foi a luta persistente movida pelas empresas de bondes, sobretudo quando se eletrificaram, contra os veículos de carga puxados por homens ou animais que se deslocavam por sobre os seus trilhos. Nas ruas estreitas e congestionadas do centro, o bonde – e logo os primeiros automóveis – tinham de ajustar seu ritmo ao passo do "burro-sem-rabo" (expressão até hoje usada na cidade), das carroças e dos "cargueiros". A modernização da estrutura de serviços públicos (em sua maioria prestados por empresas estrangeiras) foi igualmente facilitada pelo alargamento da malha viária, que promoveu a reorganização das diversas redes subterrâneas (gás, esgoto e água) e aéreas (telegrafia e telefonia), e previu a iminente instalação dos postes de iluminação elétrica pública.

Ao mesmo tempo em que promovia a abertura de artérias, a Prefeitura regulamentava o transporte de cargas, alterava as dimensões dos veículos e exigia a modificação dos aros das rodas para impedir que fendessem as ruas, além de proibir a tração animal na zona urbana.

Depois falarei das novas posturas municipais que tinham o objetivo de "civilizar" a cidade e que afetavam não apenas a parcela pobre, mas também os remediados e a nascente classe média, ainda habituada aos modos "coloniais" e nada parisienses idealizados pela nova administração.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Brasil Atlântico e Rio, seu porto negreiro.

A história do Brasil e principalmente a do Rio de Janeiro, ouso dizer, está inexoravelmente ligada ao trato negreiro e ao instituto da escravidão. Será essa u´a marca tão vergonhosa como julgou Rui Barbosa ao destruir arquivos que seriam hoje valiosos para reconstituir a história econômica e institucional desse nosso traço? Particularmente eu acredito que parte de fazer as pazes com o passado é reconhecer as marcas dele naquilo que somos hoje, é ver o nosso processo de construção como um contínuo acerca do qual, dada a longa perspectiva, julgamentos morais deixam de fazer sentido uma vez que moral e ética mudam ao longo dos séculos. Podemos sim, afirmar gostar ou não, e isso é algo que nos é dado como a qualquer indivíduo fruto de seu tempo e sua sociedade, mas daí a tecer culpas em uma geração pelo que não constituía para a anterior absolutamente delito algum é um salto enorme.

Querendo ou não, precisamos reconhecer que o trato negreiro nos moldou, em coisas que avaliamos como construtivas de acordo com o estado atual de critérios, mas também em coisas simplesmente íntimas e factuais como a própria língua, modo de nos enxergar diante de outros latino americanos, nossa visão de raça (que desde o governo FHC e nessa era Lulla vem sendo americanizada polarizando e racializando discursos), e assim por diante.

Dentre livros interessantes que, mesmo sem lidar com a questão carioca, terminam por falar muito da nossa cidade está O Trato dos Viventes, de Luís Felipe de Alencastro, que é muito bem escrito, dinâmico e agradável mesmo de ler sem perda de profundidade acadêmica.  Faço um breve resumo de alguns capítulos para dar um gostinho da "trama" e comento ao final.

“Trato dos Viventes” versa a formação do Brasil no Atlântico Sul como parte integrante de um sistema comercial plenamente integrado à economia-mundo, no qual a colônia portuguesa sul-americana seria uma unidade complementar vinculada necessariamente à colônia africana, principalmente Angola, durante os séculos XVI e XVII (posteriormente as levas de escravos ainda viriam desta área, porém boa parte seria trazida também da Costa dos Escravos, atual Benin – Gana).


A postura de análise de Alencastro é econômica e ele se aproxima do tema pelo viés de sistema-mundo, ou economia-mundo, do qual é teórico Imannuel Wallerstein. Citado também é Amaral Lapa, que utiliza a mesma vertente na análise econômica da história, e mesmo que não citado, é de se imaginar forte contribuição de Giovanni Arrighi.

Uma das questões do império português ao final do século dos descobrimentos era como assegurar o controle dos nativos e do excedente econômicos das conquistas, integrando os colonos, ou gente remota ao aparelho institucional reinol. Para isso seria, nas palavras de Alencastro, preciso “colonizar os colonos”, isto é, capturá-los nas malhas metropolitanas. Esta “captura” teve matizes diferentes em diferentes partes das possessões portuguesas: Goa, Conchim, Moçambique, Angola e Brasil.

O domínio colonial em Angola se equilibra entre o poder jesuíta e dos capitães – donos de Capitanias similares as existentes no Brasil, que arrecadam tributos dos Sobas, chefes nativos, que lhes são avassalados. A troca de poder destes para a coroa portuguesa e negociantes reinóis coincide com o incremento do intercâmbio marítimo com a colônia americana, que necessita de escravos para sua produção.

O controle espanhol se dá mais sobre a circulação das mercadorias (produtos). O trato de escravos não se adaptava às restrições deste tipo de comércio. Madri então estabelece os Asientos, subempreitando o tráfico negreiro aos genoveses e em seguida aos portugueses.

Para Luanda seguem mercadorias de escambo, e para o Brasil e colônias americanas escravos como fatores de produção ou mercadorias de ganho, estabelecendo verdadeiro comércio bilateral, vez que mercadorias vivas não suportariam o transbordo em Lisboa.

O trato negreiro extrapola o comércio para moldar a economia, a demografia, a sociedade e a política da América Portuguesa, numa perspectiva aterritorial, a partir do atlântico.

Os ganhos fiscais sobrepõem-se aos ganhos econômicos da escravidão. Para a corôa o trato negreiro representa arrecadação tributária, enquanto que para o comprador de escravos, representa necessária mão de obra para uma imensa empresa  colonial.

Ao longo de uma evolução iniciada em meados do século XIV, o trato lusitano se desenvolve na periferia da economia metropolitana e das trocas africanas. Em seguida o negócio se apresenta como uma fonte de receita para a Coroa e reponde à demanda escravista de outras regiões européias. Por fim, os africanos são usados para consolidar a produção ultramarina.

A escravização do africano seria facilitada pela existência de pré-condições geográficas e históricas: sociedades que conheciam o valor mercantil do escravo, que teriam a escravidão como prática, facilidades de acesso. Onde inexistiam tais pré-condições o encadeamento do trato se revela problemático.

Duas mercadorias com impacto direto na produção mercantil de escravos: cavalos e armas de fogo – utilização na captura e no escambo com aliados nas disputas tribais.

A justificação evangélica do trato negreiro seria o resgate de almas da África (território de eleição do demônio), salvas do canibalismo e das guerras intertribais. Entretanto tanto a evagelização, como as empreitadas militares como a ocupação colonial branca na África Ocidental, esbarravam em problemas de diversas naturezas, dentre as quais uma das mais graves estava a Primeira doença, ou as febres que acometiam os estrangeiros. O quadro epidemiológico apresentado pela região era constituído pó febre amarela, tipos letais de malária, varíola, varicela, dentre outras doenças que ceifavam a vida de estrangeiros e mesmo de negros vindos de outras partes do continente.

O tráfico negreiro entre o continente africano e americano se viam facilitados por uma regularidade atmosférica e marítima de navegação leste-oeste chamados African slave trade winds, o anticiclone de capricórnio. Isto tornava mais fácil ir buscar escravos na África do que transportá-los ao longo da própria costa brasileira, no caso do norte do Brasil (Maranhão-Grão-Pará), e mesmo entre o eixo Salvador-Rio de Janeiro.

São Tomé se apresenta como laboratório da experiência portuguesa de colonização no trato de escravos, porém um levante de negros escravos e proprietários mulatos, exacerba a disputa racial e fissuras na empreitada escravista, que viriam selar a empresa colonial na américa portuguesa. Evidencia-se a importância dessa primeira sociedade colonial formada pelos enclaves ibero-africanos nas Canárias, Cabo Verde, na Madeira, nos Açores e em São Tomé - na adaptação prévia aos trópicos e ao escravismo de técnicas portuguesas e luso-africanas desenvolvidas em larga escala na América portuguesa. São Tomé se firma como um entreposto comercial importante no comércio atlântico, junto com Luanda e Benguela, drenando o interior da áfrica ocidental de escravos como fatores de produção para o comércio ultramarino, estes mesmos um produto deste comércio.

Nesta época, mais do que uma conquista focalizada no domínio de terras e minerais, a colonização de Angola caracterizou-se por uma caça de homens imbricada no mercado mundial. No entanto, essa caça era feita por africanos no contexto de suas lutas internas, na qual o elemento europeu se encaixa como consumidor do excedente humano produzido e ator/parceiro na política continental.

O índio não escravizável
A organização social dos tupis, aruaques, caribes e jês permanecia avessa à troca extensiva de escravos. Isto eliminava das pré-condições necessárias ao estabelecimento do trato escravista. Onde se quisesse transformar indígenas em fornecedores de escravos, carecia transformar sociedades coletoras e caçadoras em sociedades preadoras de homens.

Formas de apropriação dos indígenas: a) resgates – troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios; b)cativeiros – índios apresados em guerras justas consentidas e determinadas pelas autoridades régias por tempo limitado e contra certas etnias; c) descimentos – deslocamento forçado dos índios para as proximidades dos enclaves europeus e neste caso o trabalho era assalariado e recolhido pelos administradores dos aldeamentos, a sj.

Alencastro destaca os seguintes fatores que concorrem para limitar o cativeiro indígena: a dificuldade de colocar as sociedades indígenas a colaborar ativamente no trato de escravos; a opção da igreja portuguesa pela evangelização da população nativa que se tornava tanto força de trabalho das missões que lhes administrava os ganhos como facilitava a manobra de poder; o indígena como limitante da ameaça interna que representava a massa de escravos da guiné e que assim os circunscrevia aos espaços colonizados pela produção escravista (território dominado pelo senhoriato); e a fragilidade epidemiológica dos indígenas até os descobrimentos não expostos às correntes epidêmicas que já corriam o mundo ao longo das rotas comerciais; dificuldade de comércio entre-capitanias facilitava o comércio entre as margens do atlântico, seja pela maior viabilidade de navegação, de trocas de mercadorias (mercado, circulação monetária e crédito), facilidades fiscais, entre outros exaustivamente declinados pelo autor. De fato o autor abdica de qualquer determinismo científico, para adotar uma multicausalidade, e aponta assim a inviabilidade estrutural da exploração da escravidão indígena, privilegiando a complementariedade no trato com Angola.

Este não uso de mão de obra indígena será menos freqüente no Grão-Pará e Amazonas, alavancados tardiamente para o eixo do atlântico sul.

O Trato dos Viventes oferece contribuições interessantes sob a perspectiva da saúde: lembra que os Descobrimentos completam uma corrente de “unificação microbiana do mundo”. Populações foram ceifadas por doenças exógenas à suas regiões. Observa Alencastro que o período desde a captura até a chegada no porto de destino atua como uma espécie de seleção dos mais aptos, inclusive, senão principalmente, sob o aspecto sanitário. A medicina no trato comercial e nas colônias não costumava ser exercida apenas por doutores, isto é, por pessoas com instrução formada adquirida na metrópole e com autorização para a prática, mas também por empíricos, pessoas que se apropriavam dos conhecimentos dos povos locais e os aplicavam no tratamento das moléstias. Conflitos existiam entre essas duas espécies, sendo que a primeira estava habitualmente encarregada de funções avalizadas pelo poder real. Porém o empírico estava mais próximo das necessidades da população e da manutenção da saúde do cativo. A medicina jesuítica empregava medicamentos aprendidos dos povos indígenas combinandos aos métodos de diagnóstico clássicos.

O texto descreve o processo de dessocialização do escravo, no qual ele é retirado de sua sociedade e colocado em outra, sendo sempre um estrangeiro, onde não domina língua e costumes, e onde é ao mesmo tempo despersonalizado, isto é, tornado objeto de comércio, mercadoria-meio, fator de produção. Ressalta também a maior facilidade financeira de compra de escravos para reposição do que a reprodução de escravos no ambiente escravista americanos. Ainda que a produtividade do escravo seja constante, a produção aumenta pelo aumento do número de escravos, e este número pode ser incrementado pelo incremento do tráfico negreiro, assim é um jogo de ganho duplo para a Coroa vinculando os dois lados de suas possessões atlânticas.

O Trato Negreiro, ou  de Viventes, altera dramaticamente a demografia brasileira. Traz enormes contingentes negros feitos de diversos grupos pertencentes a alguns grandes grupos lingüísticos maiores, e nos dois séculos focalizados por Alencastro, se concentram nas etnias bantu, subsaarianas (grupos de idioma ambundo e kimbundo). Isto causou um forte impacto nas relações com os indígenas, alterou as relações de poder na colônia, insulando, por exemplo a província vicentina e a vila de Piratininga, preadoras de índios, que passaram a ser controladas pela Coroa, mediante intervenção fluminense (olhem como as rivalidades Rio/São Paulo vão longe...). As pressões do Trato por mercadorias de escambo intensificaram a produção de mandioca (e farinha), cachaça, tabaco, e outros gêneros, estabelecendo um comércio bilateral com a colônia africana, liderado pelo Rio de Janeiro (que liderou a Reconquista de Angola), e gerou uma forma de viver e fazer comércio voltada para o Atlântico, que não necessariamente incluía a metrópole.

Curioso observar que as palavras de origem africana incorporadas à língua portuguesa mais comuns derivam do kibundo e do ambundo, ou da língua geral negreira, tais como banguela, bamba, ginga, assim como alimentos comuns no sudeste brasileiro foram influenciados pelos hábitos africanos – cuzcuz de milho, mingaus, frutas trazidas pelos brancos no projeto colonial e a idéia de que não a raça, mas a condição de escravo era mais importante do que a cor em si, que é vista na postura da Corte em relação aos Sobas, à ordenação de religiosos negros, aos tratados e alianças com nativos dos dois continentes, etc. O autor descreve o escravo como desentranhado, possuído por despossuído de si mesmo e convertido em mercadoria, e as possibilidade de reprodução social dele, repondo o que sai dessa condição, o próprio sair da escravidão como possibilidade via rebeldia ou de ascensão pela lei e pela mercancia.

De certa maneira, não fossem os escravos, poderíamos ser, quem sabe, um país que falasse o nhéengatu e não o português!

Em outra ocasião podemos ver o escravo como elemento fundamental à civilização do Brasil, antecedendo em muito à colocações de Gilberto Freyre, em um livro chamado Cartas à favor da Escravidão, escrito por José de Alencar (não é o atual vice-presidente, não, tá?)

O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico sul
Luís Felipe de Alencastro – São Paulo: Cia das Letras, 2000


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Reportagem sobre o Rio Colonial

O Globo Online está com uma reportagem digital muito interessante sobre o Rio de Janeiro colonial. Consiste em um passeio virtual por alguns pontos da cidade, apresentado por um pequeno video explicativo da sua importância histórica e arquitetônica e depois de fotos de seus pontos mais representativos.

Como hoje é aniversário de Brasília e eu vi no canal Futura uma apresentadora dizer que nenhum brasileiro questionaria a novacap como a escolha natural para o papel de centro político e administrativo do país, eu achei ótima essa iniciativa do O Globo, jornal carioca como eu.

Brasília é uma cidade projetada atendendo a ditames que estão presentes desde a primeira constituição republicana de 1891. Seus efeitos sobre o país foram dois, dos quais um eu não tenho muita certeza:
  1. Auxiliar a integrar a região centro-oeste e parte da região norte ao país, até então com desenvolvimento econômico fortemente focado no litoral. Não sei se foi a capital responsável por um impulso ao desenvolvimento econômico, já que não há forte ligação econômica de consumo entre o DF e seu entorno, mas sim dessas regiões com os polos de consumo do resto do país, já que há grande agroindústria na região.
  2. Isolar as chefias dos poderes do Estado da pressão popular, fortemente exercida no Rio de Janeiro, o qual é próximo de grandes e populosos Estados-membros que poderiam também exercer pressão e controle popular sobre os governantes e legisladores. Assim, Brasília é uma ilha.

Como projeto, Brasília é um monumento (do Niemeyer, que eu não gosto), e exclui a pobreza do seu interior, isolando-a nas suas periferias. Morar em BSB é caro e dificultoso para pessoas que não dispõem de salários compatíveis com o de servidores públicos federais de nível superior, e, dependendo do Poder a que servem, terão dificuldades em adquirir imóveis no plano piloto. Brasília é um projeto que de início excluiu aqueles que a construíram, os candangos, não havendo espaço nela para o que não pertença à uma utopia excludente.

Os cariocas são órfãos do posto de moradores da Capital da República? Talvez. Argumentar que a cidade não suportaria a estrutura administrativa federal é tolice, pois poderia crescer para abraçar esse desafio como outras capitais mundiais o fizeram. A questão é que uma capital federal próxima de seu povo, como caixa de ressonância cultural, ligada direta e rapidamente aos grandes parques industriais e agrícolas instalados do sul e sudeste, aos portos mais movimentados do país, não estava no projeto de um país que gestava nas entranhas dos seus círculos de poder um longo período de ditadura militar e de luta entre estes e aqueles que lutavam pela ditadura marxista.

Essa pequena matéria do Jornal O Globo serve para nos lembrar que sempre existiu uma outra via: a da liberdade representada por uma cidade que cresceu ao sabor dos séculos e da paixão de seus moradores - tanto ou mais do que da sanha obreira de seus governantes - tendo sido filha de uma impressionante empresa comercial que nos atirou ao Atlântico de tal forma que somos um povo Atlântico mais do que Latino Americano (e nessa atlanticidade incluo até os matogrossenses cujos produtos se vertem pelas estradas e rios até o mar), uma cidade de oportunidades de escrever vidas e histórias em liberdade. Somos a muy leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Se hoje nos acusam de estarmos no caos, entendam que pode ser exatamente daqui que sairá a libertação.

http://oglobo.globo.com/economia/morarbem/info/rio_colonial/default.asp