quarta-feira, 31 de março de 2010

Malhar o Judas

Amanhã é domingo de ramos. Nos subúrbios ainda é possível encontrar algumas procissões. Confesso que a última da qual eu participei foi na Taquara, em jacarepaguá, nos idos dos anos 80, acompanhando uma amiga de escola que fazia catecismo na paróquia de Nsa Sra de Fátima, onde, por sinal, meu sobrinho foi batisado recentemente.

Não há como morar nos subúrbios do Rio de Janeiro e não notar a forte influência da religiosidade na sociedade. Os rituais da Semana Santa são um capítulo à parte pois englobam uma mistura intensa entre aquilo que pertence ao sagrado e aquilo que pertence ao mundo.

Para o carioca supersticioso e que carrega em si a memória atravessada de elementos afros e do catolicismo inculto português, o período da quaresma é cheio de perigos. Não é que se vá cometer mais pecados, ou perder a alma, nada disso. É que durante essa época, como os santos nas igrejas ficam cobertos, se tem a idéia de menor proteção contra as forças malignas.

A sexta-feira da paixão se torna um dia de feitiços e o sábado de aleluia é o dia de malhar judas.

O "Judas" consiste em um boneco feito de roupas velhas, cheio de trapos e papel, que pode simular uma pessoa mal quista do bairro, e que é pendurado num poste ou numa árvore. Na manhã do Sábado de Aleluia as crianças e as pessoas da vizinhança, tomam de varas de bambu e pedaços de pau e batem no boneco até que ele se despedace completamente. Há o costume de pregar no boneco nomes de pessoas mal quistas na vizinhança ao lado de seus mal-feitos, e em alguns lugares, pessoas juradas de morte são listadas nos bonecos também. Assim, há um lado bem humorado de expurgar os desafetos na catarse contra o boneco, mas há também o lado sinistro do aviso de que algo ruim poderá acontecer. Esse lado "sinistro" danou de acontecer em comunidades faveladas há muitos anos.

Uma expressão, "molambo de encher cú de judas", significa uma pessoa suja, esfarrapada, de aparência nojenta e desprezível, como os trapos usados para confeccionar os bonecos, que devem mesmo ser totalmente descartáveis já que serão destruídos no dia santo.

Aliás, o uso de palavras de baixo calão é uma característica de grupos lusitanos pobres que se misturaram e povoaram os subúrbios cariocas, trazendo seus usos e costumes religiosos. Falar mais palavrão que papagaio de botequim de português, é uma outra expressão que ilustra a fama de palavrudos que os gajos desfrutam no Rio de Janeiro.

Na minha infância eu bem que tentava malhar o judas com a molecada, mas como era muito franzina minha avó não permitia. Eu apenas ficava à espreita, localizando os alvos pendurados e alertava a turma que corria em algazarra e mandava ver no boneco! Treino para linchamento? Não sei, de resto os subúrbios cariocas eram muito pacatos e as pessoas ali estavam se vingando da morte de Jesus.

Boa malhação de judas para todos!

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