“Fulguras, ó Brasil, florão da América!
Iluminado ao sol do Novo Mundo!”
Tenho certeza de que esses dois versos foram feitos para o Rio de Janeiro. A atual paisagem carioca é o resultado de incontáveis intervenções humanas na geografia de um trecho privilegiado do litoral sul brasileiro. Entretanto, se fecharmos os olhos e fixarmos marcos que ainda não conseguimos apagar, como o Pão de Açúcar, e as montanhas, e a entrada da Baía da Guanabara, podemos ter uma idéia da visão que os primeiros viajantes tinham destas terras.
Não podemos vê-los como homens em busca de um céu na terra, ou de construir uma sociedade perfeita. Franceses se estabeleceram nestas plagas para montar o germe de uma colônia comercial, e os Portugueses tinham os mesmos interesses. A idéia de que a colonização inglesa, holandesa ou francesa seria melhor do que a portuguesa não se sustenta. Olhemos para Guianas, Suriname, Haiti...
O Brasil foi uma empresa colonial. Um braço buscou extrair da terra riquezas para a coroa portuguesa, e outro trouxe a Cruz de Cristo, da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, em tantos aspectos plenamente aliadas e irmanadas.
Salvador foi a primeira capital, mas o Rio de Janeiro, principal porto a caminho do Rio da Prata e das riquezas que desciam do Potosí, e mais tarde o ouro que vertia das minhas geraes, seria a grande jóia da coroa. Baía de barra estreita, e enseada interna larga, margeada por terreno pantanoso e propícia para boa defesa. Local cheio de rios e riachos vazantes, com terras férteis a se estender até o interior, onde uma grande região de baixada ao fundo, antecipava um grande paredão de montanhas.
Qual a função do Rio de janeiro afinal? Para quê esta cidade nasceu?
As primeiras coisas que me assomam à mente tem a ver com comércio e defesa, com administração e poder. O local ensejava a carreira de porto mercantil e militar, no sentido de defender as posses no comércio intracolonial e também no Atlântico Sul. E administrativo, uma vez que a crescente importância comercial, atraiu as estruturas de poder para a cidade, que passou a necessitar de maior afluxo de mão de obra especializada da metrópole, e que, ao receber a Família Real Portuguesa e a Corte (aparato administrativo metropolitano), incorporou estruturas burocráticas complexas e outras de manutenção dessa estrutura, como escolas, universidades, imprensa, bancos, bibliotecas, entre outras.
Voltando à cidade que é fundada nos 1500, tenho uma memória da minha adolescência muito querida.
Sendo filha de militar eu aprendi a ver o militar como representante do povo, um lutador pelo povo. Muito me honrava a cidade do Rio de Janeiro ter sido fundada por um militar português, Estácio de Sá. Claro que para mim ele era um militar, mas era também um “nobre burguês” como convinha à empresa comercial portuguesa. Havia em minha mente uma enorme confusão da data de fundação da cidade com a data de seu padroeiro, São Sebastião.
Minha fantasia infantil me fazia um soldado português imundo, suarento, lutando ao lado de índios contra os franceses, e eu quase podia ver uma flecha vazando os olhos do meu capitão. E ao final, à beira do seu leito de morte eu quase poderia recitar, como Walt Whitman: O, Captain, my Captain!/ Our fearful trip is done!
O Rio de Janeiro foi fundado em 1º de março de 1565, por Estácio de Sá. Este foi flechado no olho em 20 de Janeiro de 1567 (dia de São Sebastião), numa das batalhas definitivas pela expulsão dos franceses, vindo a falecer em 20 de fevereiro do mesmo ano.
Eu visitei os restos mortais deste herói. Não gosto de mártires. Ele está na Igreja de São Sebastião dos Capuchinhos, na Rua Haddock Lobo, na Tijuca. Seus restos mortais nunca deixaram esta cidade, e sempre foram reverenciados pela Família Correia de Sá, uma grande dinastia carioca, e guardados nas igrejas de São Sebastião. Nesta mesma igreja está o marco de fundação da cidade.
Não sou católica, mas orei diante dele e do marco da cidade. Vi os vitrais que descrevem a expulsão dos franceses, e penso mesmo que aquela igreja é um local das relíquias do Rio de Janeiro, depositária de nossa memória fundacional!
Meditei sobre o fato dele ter morrido por causa de uma flecha, assim como São Sebastião, e isso ter acontecido no dia dele, como uma daquelas coincidências que adicionam uma certa poesia à história!
Eu acho que o Rio de Janeiro mistura banzo e fado, e assim tem sempre um toque de poesia.
Nunca tinha simpatizado muito com José de Anchieta. Nunca gostei muito de índio não. Não acredito em bons selvagens, e nem em vítimas completas. Além do mais, o padre é idolatrado em São Paulo, e como sabemos, Rio e São Paulo não são exatamente as cidades mais irmãs neste país. Só que eu descobri uma coisa que fez o meu conceito sobre o jesuíta subir um bocado: ele auxiliou Estácio de Sá a fundar a minha cidade, arregimentando índios para a luta ao lado dos portugueses. Ou seja, falar nheengatu servia para alguma coisa! Servia para muita coisa, aliás, durante muito tempo era a língua franca em boa parte da colônia.
Porque eu preciso tanto de heróis? O cara não era brasileiro, não estava lutando pelo Brasil, que não existia naquela época! Era apenas uma colônia, um enclave português, uma luta estratégica no jogo das coroas européias e naquele momento, aquele local, era um pequeno lance e nada mais.
Acho que a imagem desenhada em minha mente, de europeus deslocados de seu ambiente, com objetivos na cabeça, determinados e obstinados, num ambiente hostil, em meio a pessoas totalmente diferentes que a eles se aliavam em função de interesses tribais e não por terem noção de um mundo maior do que aquelas cercanias, me atraía muito. Ainda atrai na verdade. Não eram “índios burros ou inocentes”, mas tribos com interesses a defender! Não eram portugueses ou franceses do mal, mas homens com objetivos a alcançar!
Para mim, o Rio de Janeiro não foi fundado fortuitamente, aquele marco guardado na Igreja dos Capuchinhos é simbólico da índole aguerrida daquelas pessoas, da obstinação, persistência, coragem, inteligência, capacidade de articulação, sorte, resistência física e psicológica, enfim, da fibra de todos aqueles que aqui lutaram: portugueses, índios e mesmo franceses, pois o oponente valoriza a vitória.
Somos uma cidade que nasceu do Verbo.
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