terça-feira, 18 de maio de 2010

Nossa Senhora da Penha... nossa padroeira!

Nascida na rua Irapuá na Vila da Penha, e tendo crescido no Largo do Bicão e imediações, é natural que eu tenha freqüentado, e muito, os folguedos tradicionais da região, dentre os quais o mais famoso - além do carnaval e suas liras - era a Festa da Penha, que sempre acontecia em outubro. De fato ainda ocorre.

O santuário da Penha ocupa uma área bem grande, e a igreja fica encarapitada no topo de um monte de granito imenso, que domina a paisagem de tal maneira que é perfeitamente visível de dentro da Baía da Guanabara, assim, quem quer se aproxime pelos lados da atual Linha Vermelha, verá a Igreja da Penha flutuando reluzente na noite ou clara durante o dia.

Eu fui batizada lá em cima, e não me lembro do dia pois era apenas um bêbê, mas muito me orgulho de ter sido batizada na igreja da Padroeira.

Quando os portugueses entraram na Baía de Guanabara, ficaram impressionados com sua beleza natural. Até hoje a cidade do Rio de Janeiro é chamada de "Cidade Maravilhosa".


A Penha não foge à regra. Os visitantes do Santuário ficam maravilhados com a paisagem que podem contemplar do lugar que Nossa Senhora escolheu para derramar suas bênçãos de Mãe sobre os moradores do Rio e todos aqueles que visitam o seu Santuário.

A devoção à Santíssima Virgem sob o título de Nossa Senhora da Penha de França começou no século XV na Europa. Conta o Pe. Colunga em seu livro "Nuestra Señora de Peña de Francia", que o peregrino francês Simão Vela, em 19 de maio de 1434, descobriu em Penha de França monte situado na serra do mesmo nome, na província de Salamanca a imagem de Nossa Senhora, tão importante para a cristandade.

Há uma tradição popular que diz ter sido o peregrino Simão Vela, recolhido num convento franciscano na aldeia de Puy e que ouvia sempre, em seus êxtases, uma voz que lhe dizia: "Simão, vela e não durmas" o qual passou a ter o sobrenome com que se tornou conhecido: Simão Vela.

Simão partiu e depois de cinco anos, descobriu a imagem que fora deixada por soldados franceses ao se esconderem naquele monte quando combatiam contra os muçulmanos.

Conta-se que o primeiro milagre ocorreu no local onde foi encontrada a imagem, quando um grupo de fugitivos foi perseguido por bandoleiros. Depois de terem invocado Nossa Senhora da Penha, viram-se livres de seus inimigos. Esse fato tornou-se muito conhecido e espalhou-se rapidamente. Seu eco atravessou a fronteira chegando até Guimarães, cidade do Minho (Portugal), onde a imagem passou a ser venerada. O próprio rei de Portugal, Dom Sebastião tendo alcançado a cura de uma grave doença por intermédio de Nossa Senhora da Penha, mandou erguer uma igreja em seu louvor, na cidade de Lisboa, em sinal de gratidão e devoção à Mãe de Deus e nossa. Hoje é uma das grandes paróquias da capital portuguesa.

No Brasil, consta, em fontes diversas, que a primeira ermida em louvor a Nossa Senhora da Penha foi erguida em Vila Velha, antiga capitania do Espírito Santo, entre os anos de 1558 e 1570, por Frei Pedro Palácios, natural da Espanha, irmão leigo da Ordem dos Franciscanos, que era grande devoto de Nossa Senhora.

A segunda ermida surgiu após a fundação da Fazenda Grande ou de Nossa Senhora da Ajuda, na freguesia de Irajá, no Rio de Janeiro.

Tudo começou no início do século XVII, por volta do ano de 1635, quando o Capitão Baltazar de Abreu Cardoso ia subindo o Penhasco (grande pedra) para ver as suas plantações, uma vez que era proprietário de toda a área no entorno do atual Santuário. De repente foi atacado por uma enorme serpente. Baltazar, que era devoto de Nossa Senhora, quando se viu só e incapaz de se defender, pediu socorro a Nossa Senhora gritando: "Minha Nossa Senhora, valei-me!". Nesse preciso momento surgiu um lagarto inimigo das serpentes, e travou-se uma luta mortífera entre os dois animais. Baltazar por sua vez, não perdeu tempo e fugiu.

Depois de se recuperar do susto, Baltazar reconheceu que o lagarto apareceu precisamente no momento em que ele pediu a proteção da Virgem Maria. Agradecido, por tão importante gesto maternal, Baltazar construiu uma pequena capela onde pôs uma imagem de Nossa Senhora. Se antes o Capitão Baltazar subia o penhasco para ver as suas plantações, a partir daí passou a subir também para agradecer tão primoroso gesto de carinho que a Mãe do Céu teve para com ele. Assim como ele, também os seus parentes, amigos e vizinhos e até mesmo pessoas curiosas, que à distância viam a pequena capela, passaram a subir a grande pedra (daí vem a palavra Penha) uns para pedir e outros para agradecer graças alcançadas por intercessão da Senhora do alto do Penhasco – Penha. De tanto as pessoas dizerem: vamos à Penha visitar Nossa Senhora, passaram a dizer: vamos visitar Nossa Senhora da Penha.

A devoção à Nossa Senhora da Penha foi se espalhando e cada vez era maior o número de pessoas que visitavam este lugar sagrado e encantador. Umas para pedir e outras para agradecer a sua intercessão.

O capitão Baltazar doou todas as suas propriedades a Nossa Senhora da Penha, havia necessidade, porém, que alguém, com crédito, administrasse responsavelmente esse patrimônio. Foi criada então a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha no ano de 1728 a qual com muito zelo e dedicação demoliu a primeira capela - muito pequena - e construiu outra, com uma torre onde foram colocados dois pequenos sinos.

Mais tarde, no ano de 1870, foi demolida esta capela e construído no seu lugar um novo templo: uma igreja com uma torre e novos sinos. Por volta do ano de 1900 houve uma nova intervenção. O templo foi ampliado, ganhando duas novas torres, nas quais, mais tarde, foi instalado um carrilhão com 25 sinos de origem portuguesa, adquiridos na Exposição Nacional do 1º Centenário da Independência do Brasil. Este Carrilhão foi inaugurado em 27 de setembro de 1925 com a bênção do então Núncio Apostólico no Brasil, Cardeal Dom Henrique Gasparri.


A Escadaria
No ano de 1817 subia a pedra um piedoso casal quando a esposa, Sra. Maria Barbosa, comentou com o marido que pediria à Nossa Senhora da Penha para interceder por eles para que Deus lhes concedesse um filho, já que estavam casados há alguns anos e não tinham filhos.


A Sra. Maria Barbosa confiou, pediu e prometeu que se tivesse um filho mandaria esculpir no duro granito do penhasco uma escadaria para facilitar o acesso dos devotos de Nossa Senhora da Penha ao Santuário. No ano seguinte o casal era presenteado com um lindo filho e no ano de 1819 a escadaria estava pronta. São 382 degraus talhados na própria pedra, mais ainda do que o número de dias do ano.


O Santuário hoje
Colocado à entrada da cidade, com o sorriso de Mãe aos que chegam, quer pela Av. Brasil ou Linha Vermelha, quer pela Ponte Rio- Niterói ou mesmo pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Santuário de Nossa Senhora da Penha é, por excelência , o trono que Maria, Mãe de Deus, escolheu no Rio de Janeiro, para ser o centro de sua devoção entre nós. A este Santuário acorrem milhares de peregrinos vindos de todo o Brasil e do exterior, para trazer-lhe os seus agradecimentos por graças alcançadas, ou pedir a sua intercessão. À medida que vamos subindo a colina sagrada, sentimos que o ambiente se torna mais religioso. São inúmeras as pessoas que sobem a escadaria rezando, sobretudo a oração do terço.


No dia 15 de junho de 1935, por decreto de Sua Santidade o Papa Pio XI, a Igreja de Nossa Senhora da Penha foi agregada à Sacrossanta e Patriarcal Basílica de Santa Maria Maior de Roma.
No dia 15 de setembro de 1966, o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, então Arcebispo do Rio de Janeiro, elevou o templo sagrado de Nossa Senhora da Penha à categoria de Santuário Perpétuo.
No dia 31 de maio de 1981, o Cardeal Dom Eugênio de Araújo Sales, atendendo aos desejos de Sua Santidade o Papa João Paulo II, elevou o Santuário de Nossa Senhora da Penha à categoria de Santuário Mariano Arquidiocesano.

(Retirado de: http://www.santuariopenhario.org.br/?secao=15256&categoria=15300&id_noticia=49891)



A parte mais legal para as crianças na Festa da Penha era o Parque Shangai (Largo da Penha, nº19), as barracas de comidas e jogos de prêmios, o foguetório, a rádio do parque que permitia que "comprássemos" músicas para dedicar aos amigos e o ambiente alegre, familiar, onde as pessoas se divertiam a valer.

Eu realmente achava os pagadores de promessas criaturas que não deviam bater bem da bola: eram velas e ex-votos, mas também muitos que subiam a escadaria de joelhos e quando conseguiam completar o feito, não raro acabavam levados para baixo de elevador ou auxiliados por outras pessoas, pois os joelhos ficavam em frangalhos, machucados nos degraus de pedra.

Infelizmente a criminalidade que tem imperado na minha amada cidade não tem permitido que os devotos e as pessoas e famílias de bem se apropriem como dantes se apropriavam daquele maravilhoso espaço de cortesia, respeito, alegria e cordialidade típicamente cariocas. Mas deixo aqui meu pedido à Santa Penha Padroeira, que lá do alto de sua pedreira ela nos ilumine e nos resgate para seus braços, pois o amor de sua gente, e de nós, banhados em sua pia batismal, continua o mesmo.

Os judeus desta terra

O Brasil foi uma empresa. Sim, nada mais do que isso. Se observarmos os primeiros relatos acerca das terras descobertas ao Rei de Portugal, não veremos menção a metais preciosos, o que desvalorizava e muito essa nova possessão ultramarina. Também não havia por essas plagas nenhuma cultura vegetal já valorizada na Europa, e nenhum povo com o qual comerciar. Não era Portugal àquela época uma nação realmente colonizadora no sentido de exportar o seu modo de viver, seu povo, para o resto do mundo, estabelecendo pequenos portugais pelo mundo, mas antes uma nação mercantil, cujas possessões ultramarinas deveriam ter o caráter de grandes entrepostos comerciais: foi assim em Goa, foi assim em Macau, e as grandes possessões africanas de Moçambique e Angola inicialmente se deram mediante trato com governantes locais durante o período de intenso comércio de escravos.


A empresa brasileira era um investimento de risco, em grandes terras a desbravar literalmente, povoada por índios cuja língüa não era conhecida pelo povo cristão, com espécies vegetais desconhecidas, com geografia e clima a ser estudados, não como expedições científicas, mas no peito e na raça mesmo. Sem os empresários do império, estas terras seriam perdidas para outros aventureiros. Os que melhor poderiam investir nessas terras eram justamente os cristãos-novos, e os marranos.

No afã de expulsar os judeus de seu território, muitos judeus sefaradi da Espanha se refugiam em portugal, outros, cristianizados, os chamados marranos, também tomam o mesmo caminho. Outros migram para os países mouros e para a Síria, estabelecendo uma próspera colônia na cidade de Aleppo. Infelizmente, o rei de Portugal se casa com uma princesa Espanhola, e para agradar ao hiper cristianismo espanhol, declara o judaísmo ilegal na terrinha. Ao contrário dos galegos, Portugal simplesmente converte à força os judeus, tornando-os "cristãos-novos", e por uma razão muito simples: impedir a evasão de recursos pertencentes às famílias judias do território português. Nada muito nobre, não é?

Apenas mais tarde os tribunais do Santo Ofício entram em Portugal e bem mais tarde estabelecem visitações ao Brasil, para fiscalizar esses novos cristãos...

Diversas atividades eram vedadas aos cristãos, tais como a usura (empréstimo a juros que era usado para financiar navegações, colheitas, etc), a atividade bancária, certas práticas médicas, etc. E há muito os judeus tinham adentrado certas profissões em Portugal, como o serviço público, a advocacia, a medicina, a engenharia, a farmácia, etc. Uma sangria nessas áreas seria terrível para a coroa.

Eis que a nova terra se tornou uma perspectiva de vida nova para este povo, com menos restrições impostas pela Coroa Portuguesa. Como mestres engenheiros, mecânicos, agrônomos, etc, e além de pessoas com recursos, seriam perfeitos donatários nessas terras. E assim o foram. Os primeiros assentados neste país foram cristãos novos, e foram fundamentais para a cultura da cana-de-açucar como grande ciclo econômico, e força motriz do desenvolvimento agrário em vastas áreas do país, notadamente pernambuco, bahia, Rio de Janeiro, e na província vicentina.

Somos um país que veio de uma primeira empresa de assentamento judaico, como forma que eles tiveram de ganhar a vida numa terra teoricamente mais livre, e onde eles aos poucos se assimilaram. Hoje nós somos de um jeito ou de outro um bocado cristãos-novos, de sorte que não há como nutrirmos preconceitos contra nossos compatriotas sefarditas, pois, escavucando nosso genoma poderemos achar um traço semita ali, denunciando nossa mistura mosaica.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dia 13 de Maio.

Ontem, 13 de maio, comemoramos mais um aniversário da abolição da escravidão no Brasil. Fomos o último país a extinguir o trabalho escravo nas américas, o que não significa que o trabalho forçado institucionalizado não tenha continuado a ocorrer em outros países latino americanos sob outros nomes. Importante se faz observar que a partir de então reduzir uma pessoa à condição análoga a de um escravo se torna crime no Brasil, e mesmo a pena de trabalhos forçados para criminosos não existe no nosso ordenamento jurídico. O trabalho passa a ser a expressão da individualidade do cidadão livre.

É público e notório neste blogue que sou uma pessoa que não compactua de pensamentos racialistas ou etnocentristas aplicados à realidade brasileira. Sem negar a violência do trato negreiro, acredito que os muitos traumas fazem com que até o momento, muito poucos pesquisadores tenham conseguido versar sobre o assunto com pragmatismo e lucidez.

Confesso que demorei muitos anos para compreender o trabalho de Gilberto Freyre e a magnitude do que ele construiu, e destarte as críticas possíveis, uma que não posso mais admitir, é a de que ele negue a brutalidade do trato negreiro ou mesmo o repute mais manso no Brasil. Entretanto, é forçoso admitir que suas colocações sobre a identidade brasileira são muito mais consistentes do que qualquer coisa jamais feita depois dele no sentido diverso, isto é, no sentido da fragmentação do brasileiro em cores e raças e em etnias.

Lamento, mas a terra é de quem a conquista e a mantém e sustenta militar e juridicamente, portanto as terras não pertencem aos índios, pertencem a todos nós, e aos índios na condição de brasileiros. O conceito de Estado exclui essa lenda do bom índio espoliado. Por outro lado, somos um povo que é genéticamente miscigenado a tal ponto, que distribuir identidades pela cor da pele é ridículo. Somos os que somos, e não precisamos escolher: eis a grande herança isabelina!

Nunca tivemos leis anti-miscigenação, somos um povo misturado mais pelo desejo de pobres livres do que de escravos violentados, vide a variada conformação demográfica dos cortiços cariocas! A abolição da escravidão representou a exaustão de um sistema econômico e transição para outro, e enfim uma transição política, no qual expoentes abolicionistas que abraçaram sua cor mais escura, sua ascendência parcialmente negra, se viram traídos por uma república que durante muito tempo procurou embranquecer o país, enamorada de ideais positivistas.

Mas a carne venceu a pena.

Nós somos um país abençoado, sem dúvida. Com tantos autores e personalidades a comemorar! Durante muitos anos da minha infância, eu não sabia que Cruz e Souza, José do Patrocínio, Machado de Assis eram negros e mulatos. Eram traços biográficos pouco enfatizados, esses de matizes de cor. Eu nunca imaginei que o Túnel Engº André Rebouças, fosse batizado em honra a um engenheiro negro. Esses fatos não eram enfatizados. Eram brasileiros, entendem? Não era um negro: era um brasileiro. Eram grandes brasileiros, independente da cor deles. E eu acho isso maravilhoso.

Claro que pessoas do movimento negro me atirarão pedras e paus, mas e daí? A cor da pele não faz com que alguém seja melhor ou pior do que ninguém, que sinta mais ou menos dor, e eles provaram isso com brilhantismo! Juliano Moreira, grande psiquiatra, era mulato. E eu só soube disso recentemente. E querem saber de uma coisa? Não faz a menor diferença. O homem era brilhante, era médico, e era o tal.

Sabem que é interessante observar que Lima Barreto não vê cor nesse médico? Vê um médico. Isso é lindo! Pois ele mostrou a cara e a coragem do homem mestiço, o homem brasileiro, contra todos que vêem nele o que há de ruim.

O dia 13 de maio, deveria ser o dia da abolição das fronteiras de raça, cor e etnia. Para mim, deveria ser o dia em que as pessoas se tornassem finalmente cegas para a cor, e que passassem a ver uns aos outros como seres livres, indivíduos dotados de vida autônoma, sentimentos, anseios, desejos, capacidade de amar, de odiar, de fazer e de desfazer ou deixar de fazer. Que essa mistura danada no nosso sangue simbolize essa liberdade, essa teimosia em não se deixar agarrar e conter.

Acredito que no momento em que deixarmos de olhar com culpa para o passado, sem justificativas ou compensações pelo ontem, mas tentando ajustar o presente com olhos e foco no presente, nós nos entenderemos como um Estado unido e solidário. Eu entendo e amo o meu igual, igual em potencial, naquela centelha humana.

Ora, esta cidade lusitana é também uma cidade africana, talvez mais até do que Salvador! Pois se deixou molhar pelos suores e pelo sangue de tantos povos que aqui deram com os costados que é difícil alguém não chegar e depois de algum tempo não sentar de frente para essas montanhas, ao vento desse mar e não pensar lá no fundinho: é, aqui é meu lar.

Pois bem, ontem eu comemorei em espírito o dia da Abolição da Discriminação de qualquer tipo (inclusive reversa, que também é uma forma de discriminação). E tenho dito!