Ontem eu conversei por horas com um amigo criado na zona sul, sobre as diferenças entre os modos que tínhamos de nos divertir quando éramos crianças. Sim, a forma como o espaço urbano é ocupado, a renda, a estrutura das casas, tudo contribui para a criação de microculturas dentro da cidade do Rio de Janeiro, que se não é partida em cidades diversas, consegue proporcionar pelo menos, diferentes modos de ser cariocas que podem ser experimentados com um simples turismo interno.
Uma das coisas que marcou muito minha infância foi o costume da confecção de imensos balões pelas comunidades dos bairros, as famosas turmas de baloeiros. Todos sabemos a tragédias que os nossos balões causam com suas cangalhas incandescentes caindo sobre casas, aglomerações de barracos, em matas e florestas. Mas nos idos dos anos 70, lá na minha tenra infância, tudo aquilo era muito lúdico, e na verdade fascinante.
A confecção, montagem, armação e finalmente ver um balão subir aos céus numa noite fria de junho e julho era algo mágico, que atraía pessoas de todo o bairro. Ver aqueles gigantes de papel, e pequenas lanternas espalhadas num labirinto pelo campo de futebol de terra batida subir formando um desenho elaborado era como se as estrelas do céu estivessem o tempo todo ali no chão ao nosso lado e nós não tivéssemos nos dado conta. A poesia das pessoas simples, muitas sem quase nada de instrução, se manifestava naquele trabalho árduo, de grande engenho e sensibilidade, trabalho de orgulho coletivo, feito para impressionar milhares de outras pessoas e que não teria graça se não fosse outra coisa senão efêmero, aliás, efêmero senão pela cangalha e pela boca ardente, que eles lutavam para resgatar, mas que freqüentemente se perdia.
Quantas vezes eu fui acordada pelos meus pais ou meus avós para ver um balão flutuar com suas imagens coloridas no céu? ou para vê-los esbanjando fogos elaborados como num reveillon fora de época? quantas vezes não me entristeci de vê-los se queimar lambidos em chamas ao se inclinarem em demasia ao vento forte? e como eu tantas crianças e adultos, aboletados nas janelas, nas varandas, sentados nas calçadas conversando e apreciando a passagem desses astros feitos pelo homem!!!!
Acredito que essa é uma das razões pela qual é tão complicado acabar com a tradição dos balões juninos: eles estão também entranhados na memória afetiva suburbana. Ainda que outros significados menos nobres tenham se alinhado a eles, essa fascinação infantil provavelmente ainda os acompanha pelos céus, e mesmo que hoje espalhem medo, a sensação é contraditória, paradoxal, como se as pessoas quisessem tê-los de qualquer modo, sonhando com alguma tecnologia que reduzisse o risco a níveis toleráveis e pudéssemos ficar com eles ali, ao alcance da vista.
Na zona sul esses gigantes dos céus não eram tão cultuados como nos subúrbios, outras diversões, outros espaços, maior permeabilidade às advertências das autoridades sobre os riscos também por que o nível educacional é maior.
Sinto que a cultura dos subúrbios cariocas mudou muito ao longo das últimas décadas e que traços afetivos desse passado que não podem ser preservados, por serem realmente perigosos, como os balões, não estão sendo substituídos por nada que realmente preencha o espaço de afeto, de socialização eivada de fantasia, arte, criatividade, socialização com valores cooperativos e familiares. Talvez o mundo tenha mudado demais, todo ele. Ao menos é importante que a falta seja sentida; isso significa que as pessoas ainda tem algo dentro de si que clama por satisfação...
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
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